A SUPERAÇÃO DO FEUDALISMO – SÍNTESE TEÓRICA
PROFº ORLANDO REY
A crise do sistema feudal e o progressivo desenvolvimento do capitalismo criaram as condições necessárias para o surgimento do mundo moderno.
Entre o século XI e o início do século XIV houve a retomada do crescimento demográfico na Europa ocidental. A população européia que em 1050 girava em torno de 46 milhões, chegou a 73 milhões em 1300. Esses números são importantes para compreendermos melhor as transformações que ocorreram na Europa a partir de então.
O crescimento demográfico trazia um grande problema para o feudalismo que era a necessidade de ampliar a produtividade. Porém o modo de produção feudal tinha as suas limitações sendo que a principal delas era a alta tributação imposta pelos senhores feudais aos servos(talha, corvéia, banalidade, mão morta etc.), fazendo com que esses não tivessem o menor interesse em aumentar a produção, que naquele momento era insuficiente para atender as necessidades de consumo.
A marginalização social foi a conseqüência imediata do descompasso entre o aumento populacional e a baixa produtividade dos feudos. Os senhores feudais, buscando adequar o consumo a produção, expulsavam o excedente populacional de suas terras. Boa parte desse excedente estabeleceu-se em aldeias ou em antigos centros urbanos, outros viraram salteadores.
Em 1095 o papa Urbano II conclamou a cristandade a integrar as cruzadas, movimento militar de caráter religioso realizados pelos cristãos contra os muçulmanos. A intensa religiosidade do homem medieval foi de grande importância para a organização das cruzadas. A marginalização decorrente do crescimento demográfico, o direito de primogenitura , e o interesse comercial, principalmente dos mercadores das cidades italianas(Gênova e Veneza) que fica evidente a partir da quarta cruzada quando ocorre a retomado do mediterrâneo, que tinha se transformado em um lago árabe, pelos europeus que restabelecem o comércio entre ocidente e oriente.
As cruzadas foram importantes pois ajudou a Europa a despertar do seu sono feudal, abrindo caminho para o renascimento comercial e urbano que vai se processar na medida em que se intensificam a procura por mercadorias vindas do oriente.
As cidades de Gênova e Veneza , na Itália, vão se beneficiar com a retomada dos contatos comerciais entre ocidente e oriente através do mar Mediterrâneo, sobre o qual exercem controle do comércio, passando a monopolizar a distribuição das mercadorias orientais por todo continente europeu.
A intensificação das atividades comerciais no sul e no norte do continente europeu fez surgir várias rotas comerciais(terrestres e fluviais) e as feiras, como a de Champagne, que eram pontos de comércio temporário.
Esse “boom” comercial fez crescer a importância da moeda, que por sua vez realçou a demanda por metais preciosos(ouro e prata) para a cunhagem das moedas; deu novo impulso à atividade creditícia , o surgimento da letra de câmbio, tipo de título negociável no mercado com o objetivo de evitar, por motivos óbvios, o transporte de grande somas de dinheiro, além de reduzir os problemas ocasionados pelas diferentes moedas cunhadas nas diferentes cidades. Todas essas novidades expressavam uma nova modalidade de riqueza, cambiável, não fixa como a terra dos senhores feudais, dando destaque a um novo grupo social, os mercadores.
Com o renascimento da vida urbana e das atividades comerciais, os servos camponeses passaram a procurar as cidades para vender o seu excedente de produção ou até mesmo deixando a vida no feudo, para ali, na cidade, tentar melhor sorte.
Nas cidades medievais as atividades artesanais estavam sobre rigoroso controle das corporações de ofício, que eram associações que os artesãos organizavam com a intenção de regulamentar suas atividades. As corporações de ofício procuravam reservar o mercado da cidade aos seus membros, impedir a concorrência desleal entre os artesãos, controlar preços, salários e padrões de qualidade dos produtos. Essas associações também negociavam, quando era o caso, os impostos com os senhores feudais.
A CRISE DO SÉCULO XIV
O feudalismo sofreu um grande baque no século XIV, um século marcado pela fome, pela ação da peste negra e pela guerra dos cem anos. Acontecimentos que vão desestabilizar a precária economia feudal.
Visando aumentar a produção de alimentos para alimentar a população que aumentava, o homem medieval desmatou grandes áreas de florestas e assim foi possível atender o aumento do consumo, porém, chegou um momento em que esse artifício não podia mais ser posto em prática pois não haviam mais terras disponíveis para ampliar o cultivo. Veio então a fome e os males decorrentes de uma alimentação precária.
O intenso comércio entre o ocidente e o oriente despejou na Europa tapetes, porcelanas, sedas, especiarias e... ratos, e com os ratos, a peste negra. Cidades sujas e corpos mal alimentados só poderiam resultar em uma catástrofe demográfica. Praticamente 1/3 da população européia sucumbiu à peste. Cidades inteiras foram abandonadas. A grande mortandade fez faltar mão-de-obra nos feudos, as rendas dos senhores feudais caíram, levando-os a aumentar a exploração dos servos. Estouraram muitas revoltas camponesas como as famosas jaqueries, na França.
Para embolar ainda mais o meio de campo do feudalismo, França e Inglaterra estavam em guerra(guerra dos cem anos, 1337-1453). A origem desse conflito está na tentativa da França em retomar as terras de seu território que estavam nas mãos de nobres ingleses
É nesse contexto de grande instabilidade política e social que ficou claro que as tropas particulares de cada senhor feudal não bastava para restaurar a ordem diante de um levante camponês por exemplo. Era preciso criar um exército numeroso e bem equipado, capaz de reprimir os revoltosos em vários lugares e ao mesmo tempo se necessário.
Somente um Estado forte e centralizado teria condições de conseguir os recursos necessários para montar, armar e sustentar esse poderoso exército: nascia o Estado Absolutista, uma superarma nas mãos do rei e da nobreza feudal par “por ordem na casa” e assim prolongar a vida do feudalismo.
No absolutismo o poder estava centralizado nas mãos do rei, que na verdade era o representante da nobreza feudal. O monarca(rei) era absolutista não porque seu poder fosse ilimitado, mas porque ele estava acima das leis.
A burguesia apoiou a centralização política nas mãos do rei porque os particularismos de cada feudo eram um entrave ao desenvolvimento do comércio. O Estado absolutista, por sua vez, dava força aos negócios da burguesia pois quanto mais dinheiro a burguesia ganhasse mais o Estado arrecadaria através dos muitos impostos que os burgueses teriam que pagar ao Estado.
Para justificar o absolutismo, os reis foram apresentados como a própria encarnação da vontade de deus. Quem ousaria contrariar o todo poderoso? Esse tipo de argumentação ficou conhecida como teoria do direito divino dos reis.
O italiano Nicolau Maquiavel é certamente um dos principais teóricos do poder real. Ele defendia, entre outras coisas, que o rei tinha de ser racional na busca dos interesses do Estado e que a unidade política é fundamental para a grandeza de uma nação.
Outro grande teórico do absolutismo, Thomas Hobbes, considerava que inicialmente os homens viviam em estado de completa anarquia e que os indivíduos, de comum acordo , formaram o Estado Civil para se protegerem da violência. Daí teria resultado o poder ilimitado do Estado, fruto do consentimento dos seus súditos. Chamamos essa visão de Teoria Contratualista.
O MERCANTILISMO
A Europa absolutista retoma o crescimento econômico. No século XV tem início as Grandes Navegações e o descobrimento da América, que seria incorporada aos interesses europeus. O Estado absolutista teve um papel destacado nesse contexto, ele intervinha diretamente sobre a economia. O nome que se dá a essa intervenção é mercantilismo. Entende-se por mercantilismo o conjunto de idéias e práticas econômicas dominantes na Europa entre os séculos XV e XVIII, tendo por objetivo direto o fortalecimento do Estado e indireto o enriquecimento da burguesia.
Os elementos essenciais da prática mercantilista são: metalismo, balança de comércio favorável, política de monopólios, protecionismo e sistema colonial.
RENASCIMENTO CULTURAL
No campo da cultura e das artes ocorre uma verdadeira revolução que atende pelo nome de Renascimento. Expressa a visão de mundo da nova sociedade emergente diante do feudalismo em crise e do desenvolvimento da economia mercantil. O termo renascimento é decorrência da preocupação dos homens que viveram a época em se inspirarem nos valores e ideais da antigüidade clássica(greco-romana)por oposição aos valores medievais que desprezavam, tanto que o termo Renascimento pode levar a um equívoco: de que a arte e a vida cultural estavam mortas na Idade Média.
Não foi por acaso que a Itália foi o berço do Renascimento. Lá a tradição clássica era muito vigorosa, existiam cidades que alcançaram grande prosperidade econômica graças ao comércio, ricos mercadores passaram a financiar as produções artísticas, tornando-se mecenas, tendo por objetivo difundir hábitos e valores da classe social mais dinâmica da sociedade, ou seja, a burguesia mercantil.
As características marcantes do Renascimento são: o racionalismo, o individualismo, o antropocentrismo, o naturalismo e o hedonismo, em oposição aos valores medievais capitaneados pelo teocentrismo.
REFORMA PROTESTANTE E CONTRA-REFORMA
No tocante a religiosidade, a Europa cristã também passou por grandes transformações. No século XVI ocorreu a Reforma Protestante que representou uma grande revolução espiritual na época moderna, representando no nível religioso a passagem do feudalismo ao capitalismo.
A Reforma Protestante foi mais que uma reforma, pois ao romper a unidade do cristianismo no ocidente transformou a estrutura eclesiástica e a doutrina da salvação. Mudou, portanto, aspectos formais e de conteúdo.
Entre os fatores que impulsionaram o movimento das reformas podemos citar os de ordem: religiosos: o despreparo da maioria do clero, a necessidade de conter os “abusos” cometidos por membros da Igreja Católica como a venda de indulgências(perdão dos pecados), de relíquias sagradas e de cargos.
políticos: contradições decorrentes do universalismo da Igreja e a afirmação do Estado Nacional absolutista
sócio-econômicos: interesse da nobreza e da burguesia nas terras da Igreja; necessidade da legitimação do lucro através de uma nova ética econômica mais adequada à época moderna.
O início da ruptura religiosa se dá em 1517 quando o monge agostiniano alemão Martinho Lutero torna público as suas 95 teses e rompe com o papa Leão X. além de condenar a venda de indulgências, Lutero, questiona alguns dogmas da Igreja como por exemplo a infalibilidade do papa perante assuntos de religião. O apoio que Lutero obteve de boa parte dos príncipes alemães foi fundamental para o êxito da Reforma Protestante
Para Lutero a fé é o único caminho para a salvação sendo a Bíblia a única fonte para fé. Segundo ele o fiel deveria fazer a livre interpretação do livro sagrado dispensando qualquer tipo de intermediação.
Em 1536, João Calvino deu início a Reforma na Suíça. O calvinismo foi muito mais radical que a Reforma Luterana. Segundo Calvino as pessoas são predestinadas a se salvar ou não(teoria da predestinação). Somente os eleitos de Deus alcançarão a salvação. De nada adiantava ter fé ou praticar boas ações. Os calvinistas interpretavam a riqueza material como um sinal enviado por Deus aos eleitos. Essa doutrina foi facilmente assimilada pela burguesia que queria lucrar sem medo de ir parar no inferno.
Na Inglaterra a Reforma foi efetuada pelo rei Henrique VIII, que utilizou como pretexto para romper com a Igreja de Roma, o fato de que o papa se recusou a conceder o seu divórcio com Catarina de Aragão, que pertencia a casa real de Espanha. Na realidade o monarca inglês tinha outras motivações para romper com a Igreja Católica: escapar ao controle do papa e submeter a Igreja ao Estado, tomar as terras e os bens que a Igreja possuia na Inglaterra. Nascia a Igreja Anglicana cujo Ato de Supremacia de 1534, garantia ao Rei a chefia espiritual da Igreja.
Passado o susto inicial a poderosa Igreja Católica deu início a Contra-Reforma cujos pontos fundamentais foram:
Concílio de Trento: que negou qualquer valor às doutrinas protestantes, criou seminários, proibiu a venda de indulgências, criou o Índex(lista de livros proibidos)
Criação da companhia de Jesus: que teve grande importancia na expansão do catolicismo nas áreas recém conquistadas pelos europeus.
Reativação do Tribunal do Santo Ofício: responsável pela inquisição na Idade Média, foi reorganizado, passando a persiguir as vozes dissidentes.
Os principais reflexos da Reforma foram o rompimento da unidade cristã trazendo consigo o crescimento da intolerância religiosa; ruptura do poder político do papado e o fortalecimento do poder monárquico; guerras sob pretextos religiosos; expansão das práticas capitalistas, devido algumas doutrinas protestantes.
Todos esses episódios: crescimento demográfico, movimento cruzadista, renascimento comercial e urbano, a crise do século XIV, a formação das monarquias nacionais, a Expansão Marítima e comercial, o Renascimento Cultural, a Reforma Protestante e a Contra-Reforma são elementos de grande importância para entendermos como se processou o longo caminho que levou a progressiva superação do feudalismo rumo a implantação do modo de produção capitalista.
terça-feira, 15 de abril de 2008
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Um comentário:
Vou tentar estudar por aqui né .
Poxa professor bem que o senhor podia dar mais matérias no caderno né ? Séria uma ajuda muuuuuuito melhor na hora do estudo .
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