segunda-feira, 28 de março de 2011


Ainda sobre “Iluminismo & Revolução”



Fica claro, ao lermos o texto de Solé, que há um questionamento a respeito do que sempre foi considerado correto, acerca do Iluminismo. A tendência a se generalizar,afirmando que as ideias dos iluministas encontraram ampla receptividade em todo continente europeu, também deve ser relativizada. Não seria prudente afirmarmos que existia uma civilização européia homogênea. De certo que, é preciso ter cuidado ao afirmar que as ideias iluministas “iluminaram”, no sentido de despertar a consciência do povo europeu. Pensar dessa maneira e não atentarmos para as diferenças existentes entre os homens do século XVIII e aceitar como verdade histórica o que era, na realidade, um projeto dos filósofos burgueses.

Em um trabalho intitulado “Boemia Literária e Revolução – o submundo das letras no Antigo Regime”, Robert Darnton nos apresenta mais um elemento para a analise do Iluminismo. Segundo Darnton “(...)os clientes de Mauvelain(editor em Tryes – França) não queriam obras abstratas nem teóricas. Não encomendaram, em dois anos, nenhuma obra dos quatro grandes filósofos: Montesquieu, Voltaire, Diderot e Rousseau. Ao contrário, deram preferênci a popularizadores e vulgarizadores do Iluminismo: Raynal, Mercier, Mirabeau.” (DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução- o submundo das letras no Antigo Regime.São Paulo,
Companhia das Letras, 1987, p. 141).
Isto significa dizer que uma ampla camada da população não tinha acesso a literatura produzida pelos grandes nomes do pensamento ilustrado. Isso pode ser explicado por pelo menos dois motivos de fácil compreensão: o alto custo dos livros desses autores e pela linguagem contida nessas obras, o que tornava as mesmas de difícil assimilação para uma grande parcela da população.

Em contrapartida, Darnton aponta para o sucesso de uma literatura marginal, clandestina, dos panfletos, da boemia literária que tinha como alvos preferenciais, a Corte, a Igreja, a aristocracia e tudo que era considerável respeitável. O libelo (panfleto) explorava o sensacionalismo, expressavam “(...) um sentimento de desdém total por uma elite corrompida totalmente. Se lhes faltava uma ideologia coerente, comunicavam, contudo, um ponto de vista revolucionário: a podridão social corrompia a sociedade francesa, corroendo-a de cima pra baixo. E seus detalhes picantes prendiam a atenção de um público que podia não assimilar o “Contrato Social” de Rousseau (atentar para o exemplo dado em sala de aula sobre que tipo de jornal, o brasileiro de baixa renda leria no RJ: o Globo ou Meia Hora?!), mas que depressa se poria a ler Le Père Duchesne(DARNTON, op.cit., p.45)





domingo, 27 de março de 2011

O pensamento das Luzes impregnava as mentes francesas  às vésperas da Revolução?





(...) pode-se perguntar (...) se a filosofia das Luzes, assimilada a um modo de pensamento dominante no seio das elites, penetrara no conjunto das mentes nacionais às vésperas de 1789. Podemos ainda interrogar-nos sobre a natureza revolucionária desse pensamento das Luzes. Foi ela a fonte do estremecimento psicológico que caracterizou o fim do Ancien Régime e precipitou sua queda?(...)

Pode-se duvidar disso e achar, (...)que a influencia social desse pensamento no século XVIII permaneceu muito limitada. Mesmo no seio da minoria capaz de se abeberar dele, os temas profissionais, religiosos e históricos continuaram a dominar as preocupações culturais. Os livros pios eram os mais consumidos, na província de Paris, que os dos filósofos. Quanto aos gostos intelectuais do povo, continuavam ligados ao sobrenatural, ao maravilhoso e ao fantástico. A nobreza esclarecida era o único grupo da população capaz de compreender e patrocinar a filosofia das Luzes. Não lhe faltou com seu apoio, foi ela que os grandes escritores do século XVIII deveram o essencial do seu sucesso. A Enciclopédia foi, em sua origem, uma operação aristocrática. E os nobres parlamentares das províncias encorajaram nela, em primeiro lugar, as novas curiosidades da razão.

Essas curiosidades permaneceram estranhas, até as vésperas da Revolução, à massa da população, burguesa ou popular. A maioria dos temas das Luzes pouco tinha a ver com seus problemas concretos. As pessoas simples permaneceram no todo mais sensíveis à influência da religião católica. É certo apenas que os revolucionários de 1789- estreita minoria dirigente- foram os herdeiros utilitaristas e dessacralizadores, da filosofia do século XVIII. Essa filosofia triunfou, portanto, graças a elite esclarecida, no seio da nova ordem, fundando um regime liberal e representativo. Mas essa vontade do país legal não correspondia a vontade do país real.

Aparentemente paradoxais essas opiniões parecem confirmadas por inúmeros estudos recentes, que mostram o frágil enraizamento das Luzes, até a primavera de 1789, numa burguesia profundamente conservadora. Elas limitam sua influência social à parte esclarecida da nobreza (...). Ao lado dos salões, das academias e do conjunto do establishmente intelectual conquistados pelos novos filósofos, a amioria da opinião pública continuava-lhes estranha, senão oposta. Obcecados pela fachada “parisiense” da vida francesa, os historiadores por demasiado tempo reconduziram uma cultura nacional que continuava a ser, na província, muito tradicionalista. (...)

Como parece fraco no plano social, em relação a esse peso do passado, o de uma filosofia do século XVIII cuja influência se limitou a alguns milhares de leitores! Essa elite minoritária dirigiu logicamente sua luta intelectual contra superstições populares que desprezava, sem alcançá-las. Foram elas que, no folclore rural, por exemplo, e à sombra complacente da religião, constituíram sempre o essencial da cultura nacional. O racionalismo das Luzes ataca antes de mais nada, em suam, as opiniões da maioria dos franceses. E é forçada a constatar, como na Enciclopédia, sua incapacidade de mudá-las em profundidade.(...)


               (SOLÉ,Jacques.  A Revolução Francesa em Questões. Rio deJaneiro, Zahar, 1989, pp18-20)

sábado, 19 de março de 2011

ISERJ / 2º ano O Iluminismo


O Iluminismo

Chamamos de Iluminismo, Ilustração ou Filosofia das Luzes, o movimento de renovação do pensamento que atingiu seu ápice no século XVIII, principalmente na França, devido ao fato de que nesse país as contradições características do Antigo Regime se acirravam (privilégios do clero e da nobreza, reação aristocrática diante da possibilidade de ver seus “direitos” reduzidos, permanência de relações sociais ainda predominantemente feudais, que aos olhos das forças mais dinâmicas (burguesia) entravavam o seu desenvolvimento e, consequentemente o desenvolvimento da França).
Faz-se necessário atentar para o fato de que as sociedades no Antigo Regime eram caracterizadas por:
I. no setor político: poder absoluto dos reis.
II. no setor social: divisão da sociedade em estamentos, onde se distinguiam as ordens privilegiadas pelo nascimento (Primeiro e Segundo Estados) do Povo (3º Estado).
III. no setor econômico: permanência de relações feudais num mundo que caminhava a passos largos para as  relações capitalistas; intervencionismo estatal através da adoção das medidas mercantilistas.
IV. no setor cultural: a intolerância religiosa e filosófica. O Estado e a Igreja intervinham na vida das pessoas, não permitindo a liberdade de religião ou convicção filosófica e política

Os pensadores iluministas defendiam que a Razão seria o antídoto contra o emaranhado de superstições, tolices, misticismos e ignorância que impediam o homem de caminhar sempre em direção ao progresso. Alias, para tais pensadores, a ideia de progresso tendia ao infinito, ou seja, estando no seu caminho, ele não teria fim.
Para tanto, os Iluministas buscam criar uma nova concepção do mundo, uma concepção essencialmente racionalista e baseada na existências de leis naturais que regem a dinâmica do Universo. Para tanto, vão beber na fonte da chamada Revolução Científica do século XVII, que se apoiava nas teorias de Galileu (1564 – 1642), Descartes (1596 – 1650) e Newton (1642 – 1727).

Durante muito tempo, defendeu-se a tese de que o Iluminismo foi o responsável por criar um “clima revolucionário, que conduziu à Revolução Francesa. No entanto, novos estudos como o de Jacques Solé, historiador francês que se dedica ao assunto, lançaram novas luzes sobre o tema, propondo reflexões acerca do sentido histórico do Iluminismo, que até então passaram desapercebidas.
Em seu livro A Revolução Francesa em Questões, Solé afirma que o pensamento Iluminista ficou circunscrito ao salões aristocráticos, onde uma nobreza esclarecida seria o único grupo capaz de entender e patrocinar a Filosofia das Luzes. Para Solé, os temas desenvolvidos pelos filósofos da Ilustração permaneceram estranhos, até as vésperas da Revolução, à massa da população, seja ela burguesa ( a burguesia francesa era demasiadamente conservadora) ou popular ( as camadas populares estavam muito ligadas a religião), na medida em que a maioria dos temas das Luzes, pouco tinham a ver com seus problemas concretos.
A fala de Frederico II, déspota esclarecido da Prússia, que contou com a aprovação, ainda que com pesar, do enciclopedista D’Alambert, segundo o qual “ A França, com todos os filósofos, dos quais se gabam a torto e a direito ainda é um dos povos mais superticiosos e menos adiantados da Europa” parece referendar a tese defendida por historiadores, como Jacques Solé, que procuram minimizar a importância do pensamento ilustrado para explicar o clima revolucionário que levou à Revolução Francesa.
Outro historiador que procura minimizar a concepção do Iluminismo como a ideologia revolucionária que arrebatou corações e mentes francesas conduzindo-os a deflagrar o processo revolucionário que pôs abaixo o Antigo Regime é o Historiador Robert Darnton. No seu livro Boemia Literária e Revolução ele nos mostra que as leituras  mais procuradas não eram, como seria de se esperar, os escritos pelos grandes ‘philosophes’, e sim os produzidos por vulgarizadores do Iluminismo, como Raynal e  Mirabeau, entre outros, ou os opúsculos criados por subliteratos desconhecidos. Outra importante categoria era a dos panfletos, principalmente as memórias sobre o encarceramento de seus próprios autores na Bastilha, o que gerou uma intensa mitologia política. Nada, porém, vendia mais que os ‘libelles’, textos que dessacralizavam o regime. Toda esta literatura minava pouco a pouco o Antigo Regime.

segunda-feira, 14 de março de 2011

SIMULAD(INHO) 1ª SÉRIE ISERJ


01)  Apesar de não terem alcançado seu objetivo - reconquistar a Terra Santa -, as Cruzadas provocaram amplas repercussões, porque:
a) favoreceram a formação de vários reinos cristãos no Oriente, o que permitiu maior estabilidade política à região.
b) consolidaram o feudalismo, em virtude da unificação dos vários reinos em torno de um objetivo comum.
c) facilitaram a superação das rivalidades nacionais graças à influência que a Igreja então exercia.
d) uniram os esforços do mundo cristão europeu para eliminar o domínio árabe na Península Ibérica.
e) estimularam as relações comerciais do Oriente com o Ocidente, graças à abertura do Mediterrâneo a navios europeus.

02) "Neste tempo revoltaram-se os camponeses em Beauvoisin. Entre eles estava um homem muito sabedor e bem-falante, de bela figura e forma chamado Guilherme Carlos. Os camponeses fizeram-no seu chefe e estes lhes dizia que se mantivessem unidos. E quando os camponeses se viram em grande número, perseguiram e mataram os homens nobres. Inclusive muitas mulheres e crianças nobres, pelo que Guilherme Carlos lhes disse muitas vezes que se excediam demasiadamente; mas nem por isso deixaram de o fazer."
            (Texto adaptado de Crônica dos quatros primeiros Valois (1327-1392) in ANTOLOGIA DE TEXTOS HISTÓRICOS MEDIEVAIS.)

O documento oferece subsídios sobre a Jacquerie, revolta camponesa ocorrida em 1358 na França, abalada pela Guerra dos Cem Anos, entremeada de crises e epidemias que se propagavam. Com base no texto:
a) Justifique o caráter antifeudal da Jacquerie.
b) Cite três grandes calamidades do século XIV.

03) "Todo o poder vem de Deus. Os governantes, pois, agem como ministros de Deus e seus representantes na terra. Conseqüentemente, o trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus".
            (Jacques Bossuet, POLÍTICA TIRADA DAS PALAVRAS DA SAGRADA ESCRITURA, 1709)

"(...) que seja prefixada à Constituição uma declaração de que todo o poder é originalmente concedido ao povo e, conseqüentemente, emanou do povo".
            (Emenda Constitucional proposta por Madison em 8 de junho de 1789)

a) Explique a concepção de Estado em cada um dos textos.
b) Qual a relação entre indivíduo e Estado em cada um dos textos?

04) Assinale a opção que expressa corretamente uma prática dos Estados Modernos Absolutos europeus nos séculos XV - XVIII:
a) Combate aos privilégios da nobreza.
b) Centralização política e administrativa.
c) Política econômica liberal.
d) Fragmentação territorial.
e) Abandono do tributarismo e do fiscalismo.


05) Sobre as concepções e práticas mercantilistas, adotadas pelas nações européias entre os séculos XVI e XVIII, é correto afirmar que:
a) buscavam alcançar uma balança comercial favorável através do liberalismo alfandegário.
b) baseavam-se em rigorosas proibições das práticas protecionistas e monopolistas comerciais.
c) condenavam o dirigismo econômico e a regulamentação da produção exercidos pelos monarcas absolutos.
d) fundamentavam-se na expansão do poderio naval como forma de sustentar o comércio externo.
e) negavam a importância dos investimentos em atividades manufatureiras, privilegiando apenas as agrícolas.

06) A política mercantilista assumiu diversas modalidades, variando nos países europeus do século XV ao XVIII. Sobre as práticas mercantilistas podemos afirmar que:
a) em geral, o mercantilismo fundamentava-se na liberdade econômica e no equilíbrio da balança comercial.
b) o modelo português caracterizava-se pelo metalismo e por uma política econômica liberal exercida pela Coroa.
c) na Espanha, o dirigismo estatal desenvolveu as atividades industriais e agrícolas, permitindo sua auto-suficiência comercial.
d) na França, observa-se  o incentivo das manufaturas, em particular as que se dedicavam a produção de artigos de luxo.
e) na Inglaterra, o comercialismo desprezou as atividades manufatureiras, o que enfraqueceu a participação inglesa no transporte naval internacional.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

TEXTO Nº1 - ISERJ 1ª SÉRIE: A CRISE FEUDAL / 1ª ETAPA

A transição do Feudalismo para o Capitalismo

● Momento de crise

No século XIV, na Europa Ocidental, a população vivia dentro de determinadas características, que vinham sendo construídas desde o século III, e às quais denominamos Feudalismo. As relações de produção se baseavam no trabalho servil prestado fundamentalmente nas terras dos “senhores feudais”: os nobres e os elementos da alta hierarquia da Igreja Católica.

O crescimento da população, verificado entre os séculos XI e XIV, foi extraordinário. Os nobres aumentaram em número e tornaram-se mais exigentes com relação aos seus hábitos de consumo: isso determinava a necessidade de aumentar suas rendas e para consegui-lo, aumentou-se grandemente o grau de exploração da massa camponesa. Esta superexploração produziu protestos dos servos, consubstanciados em numerosas revoltas e fugas para as cidades. A repressão a esses movimentos foi enorme, mas a nobreza e o alto clero tiveram razões para temer por sua sobrevivência.

Paralelamente, importantes alterações do quadro natural provocaram sérias conseqüências. Durante o século XIII ocorrera uma expansão das áreas agrícolas, devido ao aproveitamento das áreas de pastagens e à derrubada de florestas. O desmatamento provocou alterações climáticas e chuvas torrenciais e contínuas, enquanto o aproveitamento da área de pastagens levou a uma diminuição do adubo animal, o que se refletirá na baixa produtividade agrícola. Com as péssimas colheitas que se verificaram, ocorreu uma alta de preços dos produtos agrícolas. Os europeus passaram a conviver com a fome.

Os índices de mortalidade aumentaram sensivelmente e, no século XIV, uma população debilitada pela fome teve que enfrentar uma epidemia de extrema gravidade: a Peste Negra, que chegou a dizimar cerca de 1/3 dos habitantes da Europa.

O homem medieval via a peste como um castigo divino. Entretanto, se analisarmos todos os dados referentes à habitação, higiene, alimentação e saúde, veremos que o caráter pandêmico da praga derivou da precariedade de todos estes aspectos, e de sua homogeneidade mais ou menos acentuada em todo o território europeu. A "morte negra" provavelmente não teria ocorrido se as condições de moradia ou higiene fossem outras, pelo menos não na extensão que ocorreu. Durante o apogeu do Império Romano, havia cidades muito maiores, mas as condições de habitação e saúde eram muito superiores.

A peste foi um fenômeno característico de um mundo em mutação. Foi o alto preço pago por um continente que começava a se abrir para o resto do mundo através do aumento das relações comerciais, mas que ainda vivia em um ambiente concebido para uma vida isolada e auto-suficiente. Sob este aspecto, a praga teve um lado positivo, ao obrigar o homem ocidental a mudar a sua forma de se relacionar com o meio ambiente, ensinado-o o valor do planejamento urbano e da higiene, além de expor a fragilidade da ciência médica medieval e, conseqüentemente, possibilitar sua evolução, livrando-a, pelo menos para alguns, da ignorância e da superstição.

Agravando ainda mais o complexo quadro de crise feudal, temos o conflito entre a França e Inglaterra, conhecido como a Guerra dos Cem Anos. Durante um longo período, que se estendeu por 116 anos (1337-1453), ingleses e franceses disputaram entre si, principalmente, a propriedade de regiões economicamente importantes que interessavam aos dois reinos, originando um conflito acentuado caráter feudal. Para compreendermos as origens dessa antiga rivalidade franco-inglesa, é preciso resgatar o Tratado de Paris (1259). Através desse documento, Henrique III da Inglaterra se comprometia, junto a Luís IX da França, a abandonar suas pretensões territoriais sobre a Normandia, Maine, Anjou, Touraine e Poitou, mas conservava a Gasconha (feudo concedido pelos franceses à Coroa inglesa). No entanto, boa parte do Ducado de Gasconha estava nas mãos de senhores insubmissos que ignoravam o poder do Rei inglês. Era comum os vassalos gascões apelarem ao Rei francês contra as decisões impostas pelas autoridades inglesas na região, originando-se aí constantes conflitos entre França e Inglaterra. Mas, o ponto principal de discórdia e rivalidade entre os reinos inglês e francês concentrava-se na disputa territorial pela região de Flandres. Essa região era economicamente importante e atraía interesses de ambos, em virtude do seu próspero comércio e indústria têxtil. Os flamengos eram grandes consumidores de lãs inglesas, por isso Flandres e Inglaterra estabeleceram uma aliança comercial, não aceita pelos franceses, também interessados na região. Em suma, Flandres estava vinculada economicamente à Inglaterra, mas, politicamente, pertencia ao Reino da França, que não admitia a interferência inglesa na região.

Movidos, portanto por ambições territoriais e questões dinásticas (problemas de sucessão imperial), os exércitos de França e Inglaterra provocaram um conflito feudal que se estendeu por mais de um século. No entanto, vale lembrar que, na prática, houve períodos de paz e de paralisação (inatividade) dos combates franco-ingleses durante a guerra

Não bastasse a fome, a peste e as guerras, dificuldades econômicas de toda ordem assolavam a Europa, que passou a conviver com um outro problema: o esgotamento das fontes de minérios preciosos, necessários para a cunhagem de moedas, levando os reis a constantes desvalorizações da moeda. Isso só fazia agravar a crise.

No plano social, ao lado dos problemas já levantados, importa verificar o crescimento de um novo grupo: as burguesias comerciais, residentes em cidades que tendiam para uma expansão cada vez maior, pois passaram a atrair os camponeses e os elementos “marginais” da sociedade feudal.

Politicamente, a crise se traduz pelo fortalecimento da .autoridade real, considerado necessário pela nobreza, temerosa do alcance das revoltas camponesas. A unificação política, ou surgimento dos Estados Nacionais, aparece, desta forma, como uma solução política para a nobreza manter sua dominação.

Finalmente, a crise se manifesta também no plano espiritual—religioso. Tantas desgraças afetaram profundamente as mentes dos homens europeus, traduzindo-se em novas necessidades espirituais (uma nova concepção do homem e do mundo) e religiosas (a igreja Católica não conseguia atingir tão facilmente os fiéis, necessitados de uma teologia mais dinâmica).

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

2 º TEXTO PARA O 1º ANO ISERJ / 1ª ETAPA

O IMPACTO DA PESTE NEGRA

Pierre Bonnassie

● Enquanto você lê o texto procure refletir sobre as seguintes questões:

►► Por que o autor afirma que a peste teve um caráter infantil e proletário?

►► O que seria o “ódio de classe em tempo de epidemia”?

Em relação à peste negra, presume-se que tenha ceifado mais de um terço dos habitantes da Europa (cerca de 40%, por exemplo, em Navarra e na Inglaterra), proporção que apresenta evidentemente variações regionais. De fato, a gravidade das devastações foi, no seu conjunto, função do grau de concentração populacional: mais acentuadas nos meios urbanos do que nos campos, menor mas montanhas do que nas planícies. Mas os efeitos da peste negra não devem ser considerados isoladamente; reaparecendo de 10 em 10 ou de 15 em 15 anos, a pandemia impediu que a população se reconstituísse. Pior ainda, as várias recidivas da peste que marcaram a segunda metade do século XIV e o século XV atingiram sempre particularmente as classe etárias mais jovens, ou seja aqueles que não tinha passado pelas pestes anteriores e não estavam por isso minimamente imunizados. Finalmente a peste mostrou-se também seletiva quanto aos grupos sociais atingidos: as camadas mais pobres parecem ter sidos as mais dizimadas (devido as piores condições de higiene e ao fado de os pobres não terem meios de abandonar facilmente os lugares mais fortemente contaminados). Certos historiadores sublinharam por isso o caráter “infantil e proletário” das pestes medievais.

As consequências das epidemias de peste não podem ser estudadas independentemente da conjuntura geral da época(...) o impacto da peste foi mais específico no domínio mental . Os acessos mortais que provocava (súbitos, inexplicáveis, angustiantes) perturbaram profundamente o clima psicológico da época. Em primeiro lugar, intensificaram fortemente as tensões sociais: a exacerbação do “ódio de classe em tempo de epidemia” é um fenômeno bem conhecido e verifica em outras épocas. Cólera contra os ricos, portanto; mas também (e ainda mais violentas) contra as minorias: Judeus ou leprosos, suspeitos de terem atraído a vingança de Deus,
                              JUDEUS SÃO AGREDIDOS PELA MULTIDÃO ENFURECIDA
ou ainda mais concretamente acusados de terem propagado a epidemia envenenado os poços. Daí as matanças generalizadas, os massacres...

Outro grande escape para o reflexo da agressividade provocado pela angústia foi a multiplicação de seitas de flagelantes, que pela mortificação pública procuravam conter o castigo divino.

                                        SEITA DE FLAGELANTES

 Movimento de histeria coletiva que se propaga por toda Europa e atinge os mais graves excessos.
                            

Num plano mais geral, a peste e seu cortejo de horrores suscitam (ou, mais propriamente, aceleram) uma transformação das sensibilidades, particularmente perceptível no domínio da literatura e da arte.
                                          AFRESCO DO SÉCULO XIV
A morte torna-se um dos temas prediletos de artistas e poetas;(...)



(BONNASSIE, Pierre. Peste, In:_ Dicionário de História Medieval, Lisboa, Dom Quixote, 1985, PP 170-172.)