O pensamento das Luzes impregnava as mentes francesas às vésperas da Revolução?
(...) pode-se perguntar (...) se a filosofia das Luzes, assimilada a um modo de pensamento dominante no seio das elites, penetrara no conjunto das mentes nacionais às vésperas de 1789. Podemos ainda interrogar-nos sobre a natureza revolucionária desse pensamento das Luzes. Foi ela a fonte do estremecimento psicológico que caracterizou o fim do Ancien Régime e precipitou sua queda?(...)
Pode-se duvidar disso e achar, (...)que a influencia social desse pensamento no século XVIII permaneceu muito limitada. Mesmo no seio da minoria capaz de se abeberar dele, os temas profissionais, religiosos e históricos continuaram a dominar as preocupações culturais. Os livros pios eram os mais consumidos, na província de Paris, que os dos filósofos. Quanto aos gostos intelectuais do povo, continuavam ligados ao sobrenatural, ao maravilhoso e ao fantástico. A nobreza esclarecida era o único grupo da população capaz de compreender e patrocinar a filosofia das Luzes. Não lhe faltou com seu apoio, foi ela que os grandes escritores do século XVIII deveram o essencial do seu sucesso. A Enciclopédia foi, em sua origem, uma operação aristocrática. E os nobres parlamentares das províncias encorajaram nela, em primeiro lugar, as novas curiosidades da razão.
Essas curiosidades permaneceram estranhas, até as vésperas da Revolução, à massa da população, burguesa ou popular. A maioria dos temas das Luzes pouco tinha a ver com seus problemas concretos. As pessoas simples permaneceram no todo mais sensíveis à influência da religião católica. É certo apenas que os revolucionários de 1789- estreita minoria dirigente- foram os herdeiros utilitaristas e dessacralizadores, da filosofia do século XVIII. Essa filosofia triunfou, portanto, graças a elite esclarecida, no seio da nova ordem, fundando um regime liberal e representativo. Mas essa vontade do país legal não correspondia a vontade do país real.
Aparentemente paradoxais essas opiniões parecem confirmadas por inúmeros estudos recentes, que mostram o frágil enraizamento das Luzes, até a primavera de 1789, numa burguesia profundamente conservadora. Elas limitam sua influência social à parte esclarecida da nobreza (...). Ao lado dos salões, das academias e do conjunto do establishmente intelectual conquistados pelos novos filósofos, a amioria da opinião pública continuava-lhes estranha, senão oposta. Obcecados pela fachada “parisiense” da vida francesa, os historiadores por demasiado tempo reconduziram uma cultura nacional que continuava a ser, na província, muito tradicionalista. (...)
Como parece fraco no plano social, em relação a esse peso do passado, o de uma filosofia do século XVIII cuja influência se limitou a alguns milhares de leitores! Essa elite minoritária dirigiu logicamente sua luta intelectual contra superstições populares que desprezava, sem alcançá-las. Foram elas que, no folclore rural, por exemplo, e à sombra complacente da religião, constituíram sempre o essencial da cultura nacional. O racionalismo das Luzes ataca antes de mais nada, em suam, as opiniões da maioria dos franceses. E é forçada a constatar, como na Enciclopédia, sua incapacidade de mudá-las em profundidade.(...)
(SOLÉ,Jacques. A Revolução Francesa em Questões. Rio deJaneiro, Zahar, 1989, pp18-20)
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