Eram os gregos macumbeiros ?
Profº Dr. Marcos Alvito
Pontapé inicial:
Um labirinto de vielas, estreitas, sinuosas e sem iluminação à noite, com fama de perigosas. De dia, muito barulho e movimento, nuvens de poeira em meio a um calor infernal e mosquitos. Na praça, vende-se de tudo um pouco e na barbearia homens discutem com vigor os últimos acontecimentos. Não estamos falando de nenhuma favela carioca ou de um povoado árabe e sim da Atenas clássica, com seus templos coloridos (o Partenon tinha azul e vermelho) e seu povo alegre e agitado. Mas as semelhanças não param por aí. Na belíssima cena literária criada por Platão para narrar a morte de Sócrates, o filósofo, em meio aos seus discípulos, faz um último pedido. Pede que sacrifiquem um galo a Asclépios, uma dívida que ele, preso, não pudera pagar. Em suma, poderíamos dizer que ele pede que façam um despacho. Atentemos com cuidado para o caráter ambivalente dos deuses gregos - Apolo trazia saúde e doença, Dioniso alegria e loucura, sem falar nas disputas entre eles ou na perseguição vingativa que moviam a certos mortais.
Os orixás tem o mesmo caráter, rico e complexo como a vida, sem o maniqueísmo típico dos monoteísmos (cristãos, muçulmanos e fundamentalistas em geral).
O que nos impede de perceber as inúmeras semelhanças entre Atenas e Bahia ? É que os gregos são o cânone da tradição ocidental, enquanto os africanos e as culturas deles derivadas são vistos como primitivos. Puro preconceito, afinal, os gregos também eram macumbeiros: para tudo faziam sacrifícios animais, enterravam figurinhas de cera representando seus inimigos e eram tão religiosos que seria impossível conversar por cinco minutos com um deles sem ouvir menções aos deuses (Finley). Durante os festivais, o teatro onde eram apresentadas tragédias e comédias era uma mistura de Maracanã com programa de Chacrinha: mais de quinze mil pessoas batiam com os pés nas arquibancadas de madeira, comiam e bebiam desbragadamente, vaiavam e xingavam (se fosse o caso) e por vezes recebiam frutas lançadas pelos atores (bajulando o povão). E tragédia era música e dança também, sem falar nos figurinos, cenários e artifícios como o Deus-ex-Machina, um mecanismo que permitia simular a chegada de uma divindade literalmente caída do Céu (ou do Olimpo, se prefirirem). Em suma, os atenienses não eram um bando de intelectuais chatos, nem Atenas era um túmulo de mármore onde se respirava filosofia. Era mais provável sentir o cheiro das rosquinhas que se vendiam na ágora. Por isso, se um ateniense (mesmo filósofo) aparecesse por aqui, com certeza ele não iria a nenhum simpósio - aliás, simpósio era um banquete com vinho e hetairas também - mas decerto cairia no samba com o maior prazer. Ah, é claro que os gregos já tocavam pandeiro.
Profº Dr. Marcos Alvito
Pontapé inicial:
Um labirinto de vielas, estreitas, sinuosas e sem iluminação à noite, com fama de perigosas. De dia, muito barulho e movimento, nuvens de poeira em meio a um calor infernal e mosquitos. Na praça, vende-se de tudo um pouco e na barbearia homens discutem com vigor os últimos acontecimentos. Não estamos falando de nenhuma favela carioca ou de um povoado árabe e sim da Atenas clássica, com seus templos coloridos (o Partenon tinha azul e vermelho) e seu povo alegre e agitado. Mas as semelhanças não param por aí. Na belíssima cena literária criada por Platão para narrar a morte de Sócrates, o filósofo, em meio aos seus discípulos, faz um último pedido. Pede que sacrifiquem um galo a Asclépios, uma dívida que ele, preso, não pudera pagar. Em suma, poderíamos dizer que ele pede que façam um despacho. Atentemos com cuidado para o caráter ambivalente dos deuses gregos - Apolo trazia saúde e doença, Dioniso alegria e loucura, sem falar nas disputas entre eles ou na perseguição vingativa que moviam a certos mortais.
Os orixás tem o mesmo caráter, rico e complexo como a vida, sem o maniqueísmo típico dos monoteísmos (cristãos, muçulmanos e fundamentalistas em geral).
O que nos impede de perceber as inúmeras semelhanças entre Atenas e Bahia ? É que os gregos são o cânone da tradição ocidental, enquanto os africanos e as culturas deles derivadas são vistos como primitivos. Puro preconceito, afinal, os gregos também eram macumbeiros: para tudo faziam sacrifícios animais, enterravam figurinhas de cera representando seus inimigos e eram tão religiosos que seria impossível conversar por cinco minutos com um deles sem ouvir menções aos deuses (Finley). Durante os festivais, o teatro onde eram apresentadas tragédias e comédias era uma mistura de Maracanã com programa de Chacrinha: mais de quinze mil pessoas batiam com os pés nas arquibancadas de madeira, comiam e bebiam desbragadamente, vaiavam e xingavam (se fosse o caso) e por vezes recebiam frutas lançadas pelos atores (bajulando o povão). E tragédia era música e dança também, sem falar nos figurinos, cenários e artifícios como o Deus-ex-Machina, um mecanismo que permitia simular a chegada de uma divindade literalmente caída do Céu (ou do Olimpo, se prefirirem). Em suma, os atenienses não eram um bando de intelectuais chatos, nem Atenas era um túmulo de mármore onde se respirava filosofia. Era mais provável sentir o cheiro das rosquinhas que se vendiam na ágora. Por isso, se um ateniense (mesmo filósofo) aparecesse por aqui, com certeza ele não iria a nenhum simpósio - aliás, simpósio era um banquete com vinho e hetairas também - mas decerto cairia no samba com o maior prazer. Ah, é claro que os gregos já tocavam pandeiro.
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