"MALANDRO NÃO CAI, NEM ESCORREGA"
profª Rosane Pereira / E.T.E Adolpho Bloch
"Meu terno branco/ linho S 120/ foi cortado com requinte pelo meu alfaiate inglês. / Camisa de seda pura/ pescoço desocupado/ bigode bem aparado/ um lado de cada vez. / Pisante de duas cores/ mas feito sob encomenda/ para que a oposição entenda que a maré pra mim tá boa./ Não é à toa / que uso esse chapéu quebrado/ para defender o telhado da friagem da garoa. / Chego assim mais esticado do que coro de cuíca,/ que a primeira impressão é que fica/ e eu chego querendo ficar. / Não sou malandro, porque malandro é de morte,/ estou no mundo por esporte/ só quero o leite e o mel./ Não sou malandro mas tenho o meu santo forte,/ sou um otário com sorte,/ sou zona norte,/ sou Vila Isabel."
(Poesia de Pedro Amorim )
A polícia nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, estava preocupada em manter a "ordem" na Capital Federal. Tinha por objetivo, por fim ou, diminuir a "desordem" provocada pela camada mais baixa da sociedade. Impregnados pela visão da classe dominante, que buscava regenerar a cidade, olhava para o povo como um agente perturbador da ordem pública. Muito barulhento com sua música e desordeiro em seus costumes, sua dança, aos olhos da elite, era por demais sensual.
Qualquer coisa que favorecesse a essa gente em seus modos de ser, a polícia intervinha, inclusive era comum a apreensão de objetos, como instrumentos musicais, com a intenção de evitar a desordem que causava. Havia uma preocupação por parte do governo em disciplinar e organizar as camadas sociais inferiores nos padrões europeus. Buscava ideologias que distinguissem o lícito do ilícito, o moral do imoral, a ordem da desordem. Pretendiam com toda essa mudança criar as regras "dos bons costumes". Não será só a música um instrumento de resistência, surge, também, um personagem que vai dar muito trabalho à repressão policial: o malandro. Mas quem é essa personalidade? Claudia Matos nos relata que o grupo de sambistas do Estácio, Cidade Nova, Saúde, Morro da Favela, Gamboa, Morro de São Carlos etc. , formava o reduto constituído de ex-escravos e seus descendentes, esses elementos foram os primeiros a ostentar a designação de "malandros" e a orgulhar-se dela. Sua música (o samba) realçava uma diferença de classe, sua cadência era mais sincopada, apoiada na percussão. Para essa camada social, este gênero musical, apresentava um som todo especial.
Alcebíades Barcelos, o Bide e Francisco Alves gravaram o primeiro samba no "novo estilo": "A Malandragem", em 1927 e fez grande sucesso no carnaval de 1928, na voz do próprio Chico Alves. Chico Alves era um 'malandro'. "Comprositor" persistente, comprava dos sambistas suas músicas e as registrava em seu nome, normalmente, dividia a autoria com o verdadeiro compositor (prática que o aproxima do perfil malandro). Outro "comprositor" famoso: Germano Augusto. Notabilizou-se pela proeza de se apoderar, com golpes de astúcia ou à força, de composições alheias, além de figurar em parcerias fictícias.
O perfil do bom malandro: andar solto, cheio de ginga, sorriso carregado de malícia. Olhar sedutor que nada escapava, conversa despretensiosa, esbaldando jogo de cintura. Terno de linho, sapato bicolor (a princípio usava tamancos), chapéu de panamá, lenço no pescoço e a inseparável navalha, eis aí o retrato falado do malandro.
Para além da rejeição do trabalho, o malandro é aquele que se recusa a pegar no pesado, procurando ganhar a vida longe das profissões em que seria necessário suar a camisa. Por isso o malandro vivia de expedientes, muitas vezes ilícitos como a jogatina, o contrabando e a cafetinagem.
O malandro se situa entre o mundo do trabalho, do ócio e o das pequenas transgressões. Transita por esses mundos sem se identificar plenamente com qualquer um deles.
Não tem emprego regular e nem faz questão de ter, embora, ocasionalmente trabalhe, como já foi dito, em atividades onde a força física não seja exigida. "Malandro que é malandro não pega no pesado".
Um dito popular afirma que o brasileiro é capaz de dar "nó em pingo d' água". Se esse dito estiver certo, nos arriscaríamos a afirmar, que o malandro seria capaz de dar nó em pingo de éter. Vejamos a história a seguir: uma ocasião um ladrão invadiu a casa de Wilson Batista, que tranquilamente inquiriu o meliante "o que você quer aqui? Respondeu o ladrào: "dinheiro." "Entào, devo lhe informar que o amigo bateu na porta errada". Pegou o ladrào pelo braço, conduziu-o até a janela e lhe confidenciou: "ta vendo aquela casa ali? Lá mora um industrial. Ta vendo aquela outra? Mora o grande ator Procópio Ferreira. Escolhe uma das duas, que aqui você nào vai conseguir nada." Acertadamente em um dos seus sambas, Moreira da Silva, o Kid Morengueira, afirmava que "em casa de malandro vagabundo nào pede emprego."
Desde os anos 1920, o malandro figurava como inspiraçào de sambas que podem ser analisados como verdadeiras crônicas de um cotidiano que iria se chocar com os interesses do Estado autoritário e intervencionista que estava sendo gestado a partir de 1930 e se efetivaria em 1937, quando o presidente Getúlio Vargas implanta o Estado Novo. Em linhas gerais o projeto estadonovista pretendia impulsionar a industrializaçào, e para tanto precisava contar com a constituiçào de uma classe operária disciplinada e amante do batente.
Pensemos: como esta classe desprivilegiada pode ser amante do batente? Se em toda a formaçào de sua história no Brasil (referente ao período aqui apresentado), o negro foi explorado, feito escravo, praticamente sem nenhum direito; se seus costumes (também suas músicas, suas danças) incomodavam. Seus hábitos nào eram considerados civilizados, eram vistos como bárbaros aos olhos do poder governamental e da elite brasileira. Quais seriam as cartas da repressão para transformar essa classe, em uma classe de operários disciplinados e amantes do batente? Existiriam tais cartas?
"Meu terno branco/ linho S 120/ foi cortado com requinte pelo meu alfaiate inglês. / Camisa de seda pura/ pescoço desocupado/ bigode bem aparado/ um lado de cada vez. / Pisante de duas cores/ mas feito sob encomenda/ para que a oposição entenda que a maré pra mim tá boa./ Não é à toa / que uso esse chapéu quebrado/ para defender o telhado da friagem da garoa. / Chego assim mais esticado do que coro de cuíca,/ que a primeira impressão é que fica/ e eu chego querendo ficar. / Não sou malandro, porque malandro é de morte,/ estou no mundo por esporte/ só quero o leite e o mel./ Não sou malandro mas tenho o meu santo forte,/ sou um otário com sorte,/ sou zona norte,/ sou Vila Isabel."
(Poesia de Pedro Amorim )
A polícia nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, estava preocupada em manter a "ordem" na Capital Federal. Tinha por objetivo, por fim ou, diminuir a "desordem" provocada pela camada mais baixa da sociedade. Impregnados pela visão da classe dominante, que buscava regenerar a cidade, olhava para o povo como um agente perturbador da ordem pública. Muito barulhento com sua música e desordeiro em seus costumes, sua dança, aos olhos da elite, era por demais sensual.
Qualquer coisa que favorecesse a essa gente em seus modos de ser, a polícia intervinha, inclusive era comum a apreensão de objetos, como instrumentos musicais, com a intenção de evitar a desordem que causava. Havia uma preocupação por parte do governo em disciplinar e organizar as camadas sociais inferiores nos padrões europeus. Buscava ideologias que distinguissem o lícito do ilícito, o moral do imoral, a ordem da desordem. Pretendiam com toda essa mudança criar as regras "dos bons costumes". Não será só a música um instrumento de resistência, surge, também, um personagem que vai dar muito trabalho à repressão policial: o malandro. Mas quem é essa personalidade? Claudia Matos nos relata que o grupo de sambistas do Estácio, Cidade Nova, Saúde, Morro da Favela, Gamboa, Morro de São Carlos etc. , formava o reduto constituído de ex-escravos e seus descendentes, esses elementos foram os primeiros a ostentar a designação de "malandros" e a orgulhar-se dela. Sua música (o samba) realçava uma diferença de classe, sua cadência era mais sincopada, apoiada na percussão. Para essa camada social, este gênero musical, apresentava um som todo especial.
Alcebíades Barcelos, o Bide e Francisco Alves gravaram o primeiro samba no "novo estilo": "A Malandragem", em 1927 e fez grande sucesso no carnaval de 1928, na voz do próprio Chico Alves. Chico Alves era um 'malandro'. "Comprositor" persistente, comprava dos sambistas suas músicas e as registrava em seu nome, normalmente, dividia a autoria com o verdadeiro compositor (prática que o aproxima do perfil malandro). Outro "comprositor" famoso: Germano Augusto. Notabilizou-se pela proeza de se apoderar, com golpes de astúcia ou à força, de composições alheias, além de figurar em parcerias fictícias.
O perfil do bom malandro: andar solto, cheio de ginga, sorriso carregado de malícia. Olhar sedutor que nada escapava, conversa despretensiosa, esbaldando jogo de cintura. Terno de linho, sapato bicolor (a princípio usava tamancos), chapéu de panamá, lenço no pescoço e a inseparável navalha, eis aí o retrato falado do malandro.
Para além da rejeição do trabalho, o malandro é aquele que se recusa a pegar no pesado, procurando ganhar a vida longe das profissões em que seria necessário suar a camisa. Por isso o malandro vivia de expedientes, muitas vezes ilícitos como a jogatina, o contrabando e a cafetinagem.
O malandro se situa entre o mundo do trabalho, do ócio e o das pequenas transgressões. Transita por esses mundos sem se identificar plenamente com qualquer um deles.
Não tem emprego regular e nem faz questão de ter, embora, ocasionalmente trabalhe, como já foi dito, em atividades onde a força física não seja exigida. "Malandro que é malandro não pega no pesado".
Um dito popular afirma que o brasileiro é capaz de dar "nó em pingo d' água". Se esse dito estiver certo, nos arriscaríamos a afirmar, que o malandro seria capaz de dar nó em pingo de éter. Vejamos a história a seguir: uma ocasião um ladrão invadiu a casa de Wilson Batista, que tranquilamente inquiriu o meliante "o que você quer aqui? Respondeu o ladrào: "dinheiro." "Entào, devo lhe informar que o amigo bateu na porta errada". Pegou o ladrào pelo braço, conduziu-o até a janela e lhe confidenciou: "ta vendo aquela casa ali? Lá mora um industrial. Ta vendo aquela outra? Mora o grande ator Procópio Ferreira. Escolhe uma das duas, que aqui você nào vai conseguir nada." Acertadamente em um dos seus sambas, Moreira da Silva, o Kid Morengueira, afirmava que "em casa de malandro vagabundo nào pede emprego."
Desde os anos 1920, o malandro figurava como inspiraçào de sambas que podem ser analisados como verdadeiras crônicas de um cotidiano que iria se chocar com os interesses do Estado autoritário e intervencionista que estava sendo gestado a partir de 1930 e se efetivaria em 1937, quando o presidente Getúlio Vargas implanta o Estado Novo. Em linhas gerais o projeto estadonovista pretendia impulsionar a industrializaçào, e para tanto precisava contar com a constituiçào de uma classe operária disciplinada e amante do batente.
Pensemos: como esta classe desprivilegiada pode ser amante do batente? Se em toda a formaçào de sua história no Brasil (referente ao período aqui apresentado), o negro foi explorado, feito escravo, praticamente sem nenhum direito; se seus costumes (também suas músicas, suas danças) incomodavam. Seus hábitos nào eram considerados civilizados, eram vistos como bárbaros aos olhos do poder governamental e da elite brasileira. Quais seriam as cartas da repressão para transformar essa classe, em uma classe de operários disciplinados e amantes do batente? Existiriam tais cartas?
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